A cabeça é tudo
Abri o jornal e ela saltou sobre mim, como que a dizer vem comigo! Claro que fui com ela, ela sempre que aparece me puxa pelos cabelos… Gosto de saber dela!
Ela quem? Já digo, antes preciso dar algumas voltas. Dia destes, ao encontrar um amigo, ele me perguntou se eu lembrava do fulano. Claro que sim. – E aí ouvi que o tal fulano está internado, está com uma baita depressão!
Ué, mas como? Ele tem dinheiro, dirige um negócio muito rentável, tem uma mulher interessante, não tem do que se queixar e está depressivo? – Está, Prates, está muito depressivo.
Pronto, dei as voltas de que precisava dar para falar “dela”, a que saltou sobre mim ao abrir o jornal. Era uma manchete cujo título provocava: – “Países ricos têm maiores índices de depressão”. Dito de outro modo, as pessoas com mais dinheiro no bolso são as que mais se deprimem. Pode isso? Como é que se explica?
Muito fácil. A depressão resulta de um vazio existencial, ainda que ela possa ter aparentemente uma origem puramente biológica. Você sabe que temos duas depressões, a quem vem de dentro, a biológica, também chamada de endógena; e a externa, chamada de exógena.
Tanto um tipo quanto o outro precisa de um mecanismo deflagrador de ordem psicológica para que a depressão apareça na vida de uma pessoa. Sem esse “gatilho” não haverá depressão. É questão fechada.
Por que os países ricos têm mais gente depressiva? Porque nesses países há menos gente lutando pela vida. O lutar pela vida, por uma causa, a ocupação da mente, o interesse inflamado por algo não deixa espaço e tempo para a depressão.
As pessoas andam tristes, vivendo vidas vazias, ocupando-se com frivolidades e deixando espaço mental para a incomodativa consciência da finitude, do nada final. Impossível não se deprimir. Em outras palavras, a vida vazia ou sem sentido deprime.
DEPRESSÃO
Você já viu alguém deprimido ao sair para a lua-de-mel? Ou ao saber que acaba de ganhar a Mega-Sena? Ou de alguém que ficou deprimido ao ser informado que foi promovido no trabalho? Claro que não. Prazeres não deprimem, vidas vazias sim…
EQUÍVOCOS
Estamos vivendo nos pátios de colégio a sociedade das mochilas de grife quando tínhamos que ver os nossos jovens vivendo a vida do saber, das boas notas, do ser e não do ter. Eles reproduzem os pais, pobres diabos que vivem infelizes…
AMOR
A origem das doenças está na cabeça sem amor. “Quem ama não adoece”, é o título de um livro magnífico, escrito pelo médico Marco Aurélio Dias da Silva. Mas não imagine que seja amor por um João ou por uma Maria…
Um twitter na língua
Salomão, o rei, filho de Davi, dizia que devemos vigiar os lábios, a língua. E assim, preservar o coração da angústia. Sábio, o rei, muito sábio. Dia destes, eu estava tamborilando os dedos diante do twitter e me lembrei de Salomão.
Seria interessante a todos nós, e a alguns de modo especial, que tivemos também na língua um controle de “toques”, no twitter são 140, não é isso? Que formidável que também os humanos só pudessem “teclar” 140 caracteres ao falar.
Se houvesse esse controle sobre a língua, muitas amizades seriam eternas, muitos casamentos iriam mais longe e, sobretudo, muitas pessoas não se revelariam tão fúteis como se revelam ao abrir a boca.
Você vai a uma festa e fica imaginando as pessoas,”fantasiando-as” para muito além do que são. Depois, chegando mais perto, ouve o que essas pessoas têm a dizer e se desencanta, não têm nada, têm muito pouco ou se revelam frívolas. – Fala, se queres que te conheça, aprendi com um padre, o jesuíta espanhol Baltazar Gracián, 1601, no livro A arte da prudência.
Penso que já devo ter dito isso aqui, se já disse, repito, se os namorados tiverem ouvidos de ouvir, não levarão muito adiante o romance… Quem tem bons ouvidos nessa psicanálise inadvertida do cotidiano de todos nós acaba não namorando e talvez nem fazendo negócios de nenhum tipo. Conhecer os outros, mais das vezes, descoroçoa.
Vou esperar que algum japonês crie um twitter para a língua, estarei na fila para ser um dos compradores, ah, a língua. Aliás, lembrei agora de uma outra lição inesquecível sobre a fala humana. É esta: – Cala-te, e ter-te-ão por sábio.
E digo mais: – “Se quiseres um casamento longevo, calmo, fala pouco, ouve muito e pensa no twitter da língua, vais te dar bem…”
ELE
Liguei o rádio e um idiota dizia que – “A desgraça humana começou por causa da mulher…” Eu gostaria que ele dissesse isso na minha delegacia, ah, gostaria! Ele sentiria saudades da língua…
FRASE
Estava num cantinho do jornal: – “A ambição universal dos homens é colher o que nunca plantaram”. Quem pronunciou a frase foi um sábio da filosofia econômica, Adam Smith. E disse bem, o que mais há é gente fazendo a curva para “chegar mais cedo” ou na frente dos outros, claro, de modo ilegítimo. Só pode colher na safra da vida quem antes semeou… – Ah, quase esqueço, isso é para os éticos.
SUOR
- Ah, Prates, não é bem como tu dizes, dou um duro danado e não saio do lugar! Já ouvi várias vezes essa reclamação. Costumo dizer que não basta suar, é precisos saber gerenciar bem esse suor. Temos que conjugar na vida o suor com o bom talento administrativo e de ordem pessoal, aí, sim, aí o suor fertiliza a conta bancária e traz felicidades ao coração. Sem o bom gerente interno, nada feito.